e-ISSN: 2695-8465
ISSN: 2255-3703
69
Skopos 12 (2022), 69-94
Análise de adaptações em portugués brasileiro de
Through the Looking Glass and What Alice Found There,
de Lewis Carroll: o que o leitor encontrou
Adauri Brezolin
Letizia Moreira Evangelista
Investigador
Traductora freelance
brezolinadau@yahoo.com.br
lezinhaevangelista@gmail.com
Enviado: 11.11.2021
Revisado: 3.2.2022
Aceptado: 22.12.2022
Resumo: A obra Through the Looking Glass and What Alice Found There, de Lewis
Carroll apresenta diversas traduções para o português brasileiro das quais algumas
são consideradas adaptações. Neste artigo, pretendemos analisar publicações
veiculadas como “tradução/adaptação” ou “adaptação”, por meio de excertos,
sobretudo quantidade e títulos de capítulos, nomes próprios e poemas, da obra
original em inglês (Carroll 1994) e de quatro reescrituras em português brasileiro
(Lobato 1962; José 1986; Furtado & Kugland 2012 e Coelho 2016), para
verificarmos as estratégias mais comuns que contribuem para se classificar uma
obra traduzida como adaptação. Nossa fundamentação teórica vale-se
principalmente de Mittmann (2003), Amorim (2005), Bastin (2011) e Britto (2012).
Nossos resultados reiteram a ideia de que definir os limites entre tradução e
adaptação é uma tarefa árdua e que as estratégias mais significativas, por nós
detectadas, são criação, substituição, supressão, redução e compensação, que,
dependendo de como são empregadas, podem ser características de
traduções/adaptações, bem como de histórias recontadas.
Palavras-chave: tradução; adaptação; tradução literária; cultura; história recontada.
Analyses of adaptations in Brazilian Portuguese of Through the
Looking Glass and What Alice Found There, by Lewis Carroll:
what the reader found there
Abstract: Through the Looking Glass and What Alice Found There, by Lewis Carroll,
presents several translations into Brazilian Portuguese, some of which are
considered as adaptations. This paper aims to analyze works announced as
“translation/adaptation” or “adaptation”, through number and titles of chapters; proper
nouns, poems from the English original (Carroll 1994), and four rewritings in Brazilian
Portuguese (Lobato 1962; José 1986; Furtado & Kugland 2012, and Coelho 2016), to
Brezolin & Moreira
70
Skopos 12 (2021), 69-94
verify the most common strategies that contribute to classify a work as adapted. The
theoretical framework was mainly based on Mittmann (2003), Amorim (2005), Bastin
(2011), and Britto (2012). Our results ratify the idea that defining the boundaries
between translation and adaptation is a hard task, and that the most significant
strategies, detected by us, are creation, substitution, suppression, reduction, and
compensation, which, depending on how they employed, may be characteristic of not
only translations/adaptations, but also of retold stories.
Key words: translation; adaptation; literary translation; culture; retold story.
Sumario: 1. Introduçaõ. 2. Teorias e teorizações sobre traduçaõ e adaptaçaõ. 3. As obras
escohlidas para análise e a visão sobre traduçaõ/ adaptação de seus tradutores/
adaptadores. 4. Do lado de lá: cotejo entre as adaptações. 4.1. Intervenções macrotextuais.
4.2. Intervenções microtextuais. 5. Considerações finais.
1. Introdução
A obra Through The Looking-Glass and What Alice Found There
(1872), de Lewis Carrol, conhecida também como Alice Through the
Looking-Glass, ou simplesmente, Through the Looking-Glass, é a
continuação de Alice's Adventures in Wonderland (1865), ou Alice no País
das Maravilhas, em que, uma vez mais, a protagonista, Alice, num mundo
de sonhos e fantasias, depara-se com diversas personagens intrigantes e,
para se tornar rainha, precisa, com inteligência e audácia, transpor diversos
obstáculos, estruturados como etapas de um jogo de xadrez.
Segundo nossas pesquisas, Through The Looking-Glass and What
Alice Found There foi traduzida”, traduzida/adaptada” e “adaptada”
dezenas de vezes para o português do Brasil (Santos 2019), recebendo
diferentes títulos, entre eles, Através do espelho (e o que Alice encontrou do
outro lado), Através do espelho e o que Alice encontrou por lá, Aventuras de
Alice através do espelho e Alice no país dos espelhos e ainda Alice no país
do espelho. Diante de tantas transposições da obra para o português
brasileiro, fomos motivados pelo seguinte questionamento: ao entrar em
contato com uma obra rotulada de “tradução/adaptação” ou “adaptação”, o
que o leitor, então, encontrará do outro lado?
Ao iniciarmos uma discussão para tentar compreendermos possíveis
diferenças entre tradução e adaptação, esbarramos, inevitavelmente, na
questão terminológica. Em primeiro lugar, o tema adaptação, segundo
Amorim, quando
ocupa um espaço de maior importância nas pesquisas de pós-
graduação, tende a estar mais correlacionado aos estudos
Brezolin & Moreira
Análise de adaptações em portugués brasileiro de Through the Looking
71
Skopos 12 (2021), 69-94
intersemióticos, campo em que a adaptação de obras literárias para o
cinema, televisão ou teatro assume posição central de objetivo de
pesquisa. (2005: 15)
Esse entendimento do termo está relacionado a um dos três tipos de
tradução intralingual, interlingual e intersemiótica discutidos por
Jakobson (2005: 65), em meados do século XX. Para ele, tradução
intersemiótica, ou transmutação, “consiste na interpretação dos signos
verbais por meio de sistemas de signos não-verbais”, como exemplos desse
processo, podemos citar a reinterpretação de arte verbal por música, dança,
cinema ou pintura.
Está claro que essa compreensão do termo não corresponde ao tipo
de adaptações que desejamos discutir, a noção de adaptação que nos
interessa refere-se àquele “empregado para designar as chamadas
‘histórias recontadas’, reescrituras de obras clássicas das literaturas
estrangeira e nacional, direcionadas a um público específico, como o
infanto-juvenil”, conforme Amorim (2005: 15-16, grifos do autor), ou ao que
Bastin (2011) denomina “adaptação global”: uma estratégia macrotextual
capaz de orientar a transposição de um romance na íntegra para outro
idioma.
Isso, porém, não torna nossa tarefa de tentar compreender adaptação
menos árdua, haja vista que o termo pode estar associado a diversas
contações como: “recontextualização, tradaptação, spinoff, redução,
simplificação, condensação, resumo, versão especial, versão revisada,
offshoot, transformação, remediação e revisão” (Milton 2019: 58, tradução
nossa)
1
, ou apropriação, domesticação, imitação, REESCRITA, entre
outras” (Bastin 2011: 3, tradução nossa, grifo do autor)
2
. Há de se notar que,
se algumas dessas conotações podem atribuir à adaptação um caráter
negativo como “processo inferior”, “plágio” (Raw 2012: 9), ou como trabalho
“derivado”, “não genuíno” (Tsui 2012: 55), apenas para citar algumas,
outras, por sua vez, podem lhe garantir um status positivo como um
importante elemento inovador na maneira de traduzir literatura infantojuvenil
(Milton 2019), por exemplo.
Além disso, concordamos com Milton, o qual concebe a adaptação
como uma produção que, “em geral, conterá omissões, paráfrases, talvez
adições, mas que será reconhecida como a obra do autor original, em que o
1
No original: “recontextualization, tradaptation, spinoff, reduction, simplification, condensation,
abridgement, special version, reworking, offshoot, transformation, remediation, and re-vision”
(Milton 2009: 58).
2
No original: “(…) appropriation, domestication, imitation, REWRITING, and so on” (Bastin
2011: 3)
Brezolin & Moreira
72
Skopos 12 (2021), 69-94
ponto original de enunciação permanece” (2009: 58, tradução nossa)
3
. Essa
percepção é compartilhada por Bastin (2011), para quem essa atividade
pode ser compreendida como um conjunto de intervenções tradutórias
resultando num texto, normalmente, não aceito como uma tradução, mas,
reconhecido como representativo de um texto-fonte. É importante
ressaltarmos essa correlação, visto que as tomadas de decisão do
adaptador não são arbitrárias, existe um ponto de partida, um texto-fonte,
do qual, certos aspectos, como, por exemplo, propósito, função e impacto,
deverão ou poderão ser reconstruídos na língua de chegada (Bastin 2011).
A dificuldade de compreender os limites que definem tradução e
adaptação também permeiam as expectativas do público leitor, pois,
conforme Sousa e Amorim:
(a) visão mais tradicional, compartilhada pelo senso comum, encoraja a
dicotomia entre as duas práticas, com a tradução sendo considerada a
versão fiel e completa, e a adaptação sendo considerada a versão infiel
e simplificadora (2015: 546).
O encorajamento dessa dicotomia “fidelidade versus liberdade”, por
exemplo, e de outras, é, ainda segundo Sousa e Amorim, motivado, em
grande parte, “por uma discussão baseada amplamente em reflexões
teóricas, mas poucas vezes levada para o plano das análises práticas, o
que para os autores é “uma etapa essencial para construir esse
conhecimento(2015: 546).
Partindo dessa compreensão inicial do que possa ser adaptar um
texto, da necessidade de análises práticas e considerando-se como critério
básico a informação por parte da editora de que determinada obra fosse
“adaptada”, buscamos por publicações em português brasileiro que
configurassem como “traduções/adaptações” ou “adaptações”. Desse modo,
foram escolhidas quatro obras com essas características, a saber: Alice no
País do Espelho, de Monteiro Lobato (1962); Alice no País do Espelho, de
Ganymédes José (1986), Alice através do espelho: e o que ela encontrou
do outro lado, de Jorge Furtado e Liziane Kugland (2012) e Alice através do
espelho e o que ela encontrou lá, de Isabel Lopes Coelho (2016)
4
.
Selecionamos, então, excertos, em especial número de capítulos,
nomes próprios, poemas e canções, da obra original e das quatro
publicações para verificarmos que estratégias foram empregadas pelos
3
No original: “[…] will usually contain omissions, rewritings, maybe additions, but will still be
recognized as the work of the original author, where the original point of enunciation remains”
(MILTON 2009: 58).
4
Salientamos que o Trabalho de Conclusão de Curso de Evangelista (2019), que suscitou este
artigo, não incluíra a adaptação de Coelho (2016) em suas análises.
Brezolin & Moreira
Análise de adaptações em portugués brasileiro de Through the Looking
73
Skopos 12 (2021), 69-94
adaptadores para que suas obras pudessem ser classificadas como
“adaptações
5
. É importante destacarmos que, ao elegermos determinados
fragmentos do texto de partida para subsequente cotejo em português, não
pretendemos analisá-los como soluções tradutórias motivadas por censura,
como aborda Milton (2002), tampouco como soluções tradutórias que
expõem diferentes imagens construídas de uma determinada personagem,
como exploram Sousa e Amorim (2015). Além disso, nossa análise não
pretende julgar as obras, mas, sim, tentar compreender como diferentes
tradutores concebem o ato de adaptar um texto ou partes dele e que
estratégias adotam. Passemos agora às nossas considerações sobre
traduzir e adaptar.
2. Teorias e teorizações sobre tradução e adaptação
Para nossas discussões sobre tradução e adaptação, contamos com
as contribuições de Bastin (1993, 2011), Frota (1994), Shuttleworth & Cowie
(1997); Milton (2002, 2009, 2019); Mittmann (2003); Amorim (2005);
Rodrigues (2005); Britto (2012) e Sousa e Amorim (2015), dentre outros.
Como sabemos, o ato tradutório e o papel do tradutor podem ser
analisados por diversos pontos de vista, que convergem, divergem e se
complementam. Para iniciarmos essa discussão, recorremos às
considerações de Mittmann (2003), que agrupa possíveis vertentes de
tradução em duas visões: a tradicional e a contestadora. De maneira breve,
a perspectiva tradicional, segundo a autora, considera a tradução como
transporte de significados e o tradutor como instrumento desse transporte.
De acordo com essa visão, o tradutor passaria o texto de uma língua para
outra pressupondo que fosse possível fazê-lo sem interferir no texto de
chegada. A perspectiva contestadora, por seu turno, admite que o
transporte fiel de sentido de um texto para outro não seja possível sem a
intervenção do tradutor que deve, ao interpretar a mensagem pretendida,
fazer escolhas com base naquelas que são aceitas pela sua comunidade
linguística.
Acreditamos que essa distinção seja útil do ponto de vista didático;
porém, ela se baseia em “polarizações que tradicionalmente perpassam a
reflexão sobre a tradução” (Rodrigues 2005: 11). Na prática, sabemos que o
simples fato de uma outra língua estar sendo empregada para transpor o
texto de partida se configura como uma intervenção inevitável. Assim, o
resultado dessa atividade poderá ser um texto traduzido com um grau maior
5
A partir de agora, passaremos a nos referir às obras analisadas como adaptações e seus
produtores como adaptadores.
Brezolin & Moreira
74
Skopos 12 (2021), 69-94
ou menor de intervenções por parte do tradutor, o qual sempre terá papel
ativo e transformador na obra que traduzir, fazendo sua voz aparecer de
qualquer maneira, de modo mais ou menos explícito, esteja traduzindo-a ou
adaptando-a.
Diante disso, sabemos também que intervenções maiores ou
menores num texto que esteja sendo traduzido poderão ocorrer de maneira
inconsciente e alternada, dependendo dos desafios que o tradutor encontrar
e das decisões que tomar para superá-los. Em outras situações, no entanto,
um tradutor poderá receber a incumbência, da editora, por exemplo, de
adaptar um texto. Nesse caso, pressupõe-se, então, que o tradutor, cônscio
de sua tarefa e de que, possivelmente, tenha mais liberdade, optará por
inserir no texto traduzido, ou retirar dele, elementos mais ou menos
condizentes com a realidade do novo leitor, especialmente no caso de um
texto literário. Embora saibamos que “o papel da tradução” seja, e tenha
sempre sido “o de criar, de produzir significados” (Frota 1994: 16, grifos da
autora), a questão da criatividade torna-se mais evidente ao tratarmos de
tradução literária, que se caracteriza, acima de tudo, por elementos
estéticos, que permitem, e provavelmente exijam, uma postura mais criativa
do tradutor.
Britto corrobora essa ideia, alegando que a tradução literária é “a
atividade de recriar obras literárias em outros idiomas” (2012: 11, grifos do
autor), e deixa implícito que, em alguns casos, do tradutor, espera-se um
trabalho transformador, cujo resultado possa ser rotulado de adaptação. Em
vista disso, enfatizamos “o aspecto transformacional da tradução” e “a
inevitável interferência promovida pelo tradutor” (Rodrigues 2005: 11). A
seguir, abordamos possíveis diferenças entre traduzir e adaptar uma obra
literária e como as duas atividades se inter-relacionam.
O processo de adaptação está diretamente associado à tradução:
tanto uma quanto a outra permitem alterações num texto, o que as
distingue, como supomos, é o grau de modificações realizadas pelo
tradutor. Como mencionamos, traduzir envolve um constante processo de
tomada de decisões, o qual se inicia bem antes de o tradutor começar a sua
tarefa. Uma das primeiras decisões é estabelecer que orientação dará ao
texto traduzido, por exemplo, um texto com mais ou menos intervenções.
Em nossa busca pela compreensão do conceito de adaptação,
recorremos a Shuttleworth e Cowie, que a definem como:
(u)m termo tradicionalmente empregado para se referir a qualquer texto
traduzido no qual uma estratégia de tradução LIVRE, em especial,
tenha sido adotada. O termo normalmente deixa implícito que
alterações consideráveis tenham sido feitas para tornar o texto mais
adequado em função de um público-alvo específico (por exemplo,
Brezolin & Moreira
Análise de adaptações em portugués brasileiro de Through the Looking
75
Skopos 12 (2021), 69-94
crianças) ou de um determinado propósito da tradução (1997: 3, grifos
dos autores, nossa tradução)
6
.
Como pode ser observado, essa definição, além de sugerir uma das
dicotomias relacionadas à adaptação, também sinaliza que adaptar um
texto literário, em geral, está associado a torná-lo mais acessível a um
público-alvo de faixa etária diferente. Porém, isso nem sempre acontece,
pois, neste artigo, analisamos excertos da obra original e de quatro
adaptações classificadas como “literatura infantojuvenil”; portanto, as
possíveis alterações feitas no texto de chegada não decorrem do
condicionante “faixa etária”, mas, sim, do condicionante “novo leitor”.
Para ampliarmos nossa busca pela compreensão da complexidade
entre traduzir e adaptar, valemo-nos das considerações de Amorim que, em
sua notável e exemplar obra, Tradução e Adaptação: encruzilhadas da
textualidade em Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, e Kim, de
Rudyard Kipling (UNESP, 2005), leva-nos à uma viagem enriquecedora,
apresentando-nos as ideias de teóricos das áreas literárias, discursivas,
filosóficas, dentre outras.
Segundo Amorim (2005: 119, grifos do autor), uma das questões
dicotômicas que subjazem à noção de adaptação é que ela “não se reduz a
um sentido consensual: pode ser associada tanto à noção de
‘enriquecimento’ quanto à de ‘empobrecimento’”. Dessa forma, se, por um
lado, ao adotar estratégias de simplificação para atender a um público leitor
específico, a adaptação estaria empobrecendo as literaturas clássicas, por
outro, estaria contribuindo para o desenvolvimento e aprimoramento da
língua de chegada, ao trazer, por exemplo, obras de difícil acesso a novos
leitores. Outra questão dicotômica, fidelidade e liberdade, “presente no
discurso de muitos tradutores e teóricos, mostrou-se inadequada e
insuficiente”, visto que confere a tradutores/adaptadores “uma concepção
de ‘fidelidade’ anistórica e uma liberdade’ de que efetivamente não
dispõem” (p. 230, grifos do autor).
Embora Amorim examine outras questões relacionadas a
semelhanças e diferenças entre tradução e adaptação dos pontos de vista,
por exemplo, discursivo e filosófico, para nossos propósitos, parece
suficiente destacarmos que:
[o] processo de adaptação, que habita toda tradução, faz com que o
tradutor seja, em certa medida, um adaptador, o que não significa que
6
No original: “A term traditionally used to refer to any TT in which a particularly FREE
translation strategy has been adopted. The term usually implies that considerable changes have
been made in order to make the text more suitable for a specific audience (e.g. children) or for
the particular purpose behind the translation”. (Shuttleworth & Cowie 1997: 3)
Brezolin & Moreira
76
Skopos 12 (2021), 69-94
seja, ou que deva ser socialmente reconhecido como tal, ou que ocupa
o mesmo lugar daquele. Por outro lado, a adaptação pressupõe uma
dimensão tradutória, uma relação com o Outro e com a textualidade por
uma mediação (inter)linguística e cultural. (2005: 231)
Com isso, ainda de acordo com Amorim, percebe-se que uma
mobilidade relativa daquilo que define a “identidade e a diferença entre
tradução e adaptação” (2005: 231), deixando vir à tona a ideia de que não
regras sistemáticas às quais as duas atividades possam estar atreladas
de forma independente e definitiva. De modo geral, inferimos, portanto, que
a modalidade adaptação deve ser compreendida de maneira positiva, não
como um desvio ou uma aberração, mas, sim, segundo Bastin, como:
(...) o processo criativo e necessário de expressar um sentido geral que
visa restabelecer, em um determinado ato de fala interlinguística, o
equilíbrio comunicacional que teria sido rompido caso houvesse
simplesmente tradução. (1993: 477, nossa tradução)
7
A seguir, vejamos qual a visão sobre tradução e adaptação dos
profissionais responsáveis pelas obras aqui examinadas e cotejadas.
3. As obras escolhidas para análise e a visão sobre
tradução/adaptação de seus tradutores/adaptadores
Uma das obras em português brasileiro, Alice no País do Espelho
(Brasiliense, 1962), a de Monteiro Lobato (1882-1948), informa logo na capa
que se trata de uma “tradução e adaptação”. Segundo Milton (2019: 13),
Lobato consagrou-se como o “mais bem-sucedido escritor brasileiro” nas
primeiras décadas do século XX e “(s)eu sucesso comercial continuaria
durante a vida inteira”. No entanto, em decorrência de problemas
financeiros e políticos, ele passaria de “uma figura central da literatura
brasileira, tanto como editor quanto como autor” a uma “figura primordial no
desenvolvimento da tradução literária no Brasil”, ao dedicar-se mais à
prática tradutória (p. 25). Nessa empreitada, Lobato traduziu dezenas de
livros estrangeiros, sobretudo os de língua inglesa, mas foram suas
adaptações que causaram mais polêmicas, pois, nelas imprimia uma
linguagem fluida e de cil leitura, adequada ao público leitor e que se
afastava do português europeu, orientação não muito comum aos textos
literários traduzidos no Brasil até então. Para Milton,
7
No original: L'adaptation est le processus, créateur et nécessaire, d'expression d'un sens
général visant à rétablir, dans un acte de parole interlinguistique donné, l'équilibre
communicationnel qui aurait été rompu s'il y avait simplement eu traduction”. (Bastin 1993: 477)
Brezolin & Moreira
Análise de adaptações em portugués brasileiro de Through the Looking
77
Skopos 12 (2021), 69-94
(a) visão lobatiana da tradução “boa” segue o que chamamos hoje de
uma tradução fluente e domesticadora, com o tradutor livrando a
tradução de qualquer elemento que reflita a língua original e qualquer
estrutura estrangeira (2019: 42, grifos do autor).
A segunda obra em português analisada, Alice no País do Espelho
(Tecnoprint, 1986), é de Ganymédes José, influente escritor de literatura
infantil brasileira nas décadas de 70 e 80, que também foi cronista,
ficcionista, poeta, tradutor, teatrólogo, musicista, restaurador de imagens
sacras, advogado, professor e ilustrador de livros. Recebeu diversos
prêmios, entre eles, Jabuti 1985
8
. Infelizmente não conseguimos obter
informações sobre sua prática tradutória.
A terceira obra analisada, Alice através do espelho: e o que ela
encontrou do outro lado (Objetiva, 2012), é de Jorge Furtado e Liziane
Kugland de Souza. Ele é um renomado cineasta, cujas obras foram
homenageadas em diversos festivais internacionais, além disso é autor e
tradutor de vários livros
9
. Ela, graduada em Letras - Inglês pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2013) e mestre em Letras pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2017), tem interesse especial e
experiência nos seguintes temas: versão, tradução, adaptação, transmídia,
intertextualidade, cinema e literatura infantil
10
. A propósito, o Trabalho de
Conclusão de Curso de Souza (2013), apresentado na Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, analisa a tradução de nomes próprios em
Through the Looking Glass, em nove diferentes traduções para a língua
portuguesa, dando ênfase às influências na narrativa e no público-alvo.
Quanto à visão sobre tradução desses tradutores, em entrevista a
Guilherme Bryan (2012)
11
, Jorge Furtado esclarece que, ao convidar Liziane
Kugland, para a realização da tradução de Through the Looking-Glass and
What Alice Found There, os dois decidiram fazer uma “tradução bastante
fiel, na íntegra, e adaptada para crianças brasileiras de hoje” (p. 1).
Segundo ele, tal decisão se deu pelo fato de que as duas traduções que
conheciam “com o mesmo espírito da nossa” e “texto integral para crianças”
eram as de Monteiro Lobato e Ana Maria Machado; as outras eram
8
BIBLIOTECA COMUNITÁRIA "MILTON JOSÉ ASSUMPÇÃO”. Biografia Ganymédes José.
Disponível em: http://bibliotecamja.blogspot.com/2009/05/biografia-ganymedes-jose.html.
Acesso em: 3 fev. 2021.
9
ENCICLOPÉDIA ITAÚ CULTURAL. Jorge Furtado. Disponível em:
https://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa14867/jorge-furtado. Acesso em: 3 de fev. 2021.
10
ESCAVADOR. Liziane Kugland de Souza. Disponível em:
https://www.escavador.com/sobre/442864/liziane-kugland-de-souza. Acesso em: 3 fev. 2021.
11
BRYAN, Guilherme. [Entrevista] Cinema de tradução com Jorge Furtado. Conectado ESPM.
2012. Disponível em: http://conectadoespm.blogspot.com/2012/11/entrevista-cinema-de-
traducao-com-jorge.html. Acesso em: 3 fev. 2021.
Brezolin & Moreira
78
Skopos 12 (2021), 69-94
“adaptações ou traduções em que só se entende a piada lendo a nota de
de página ou o original também”. Continua o tradutor, como o “livro é feito
de trocadilhos, silogismos, coisas de lógica e piadas de todos os tipos com
a língua”, “era preciso entender a piada naquele contexto em que foi dita, a
intenção do autor, e adaptar para as crianças imaginárias de hoje”. Ele
exemplifica:
A gente deu um salto quando tinha de traduzir "Tweedledum and
Tweedledee". As crianças não entenderiam nada da piada, pois não
conheciam aquela canção britânica. Então tivemos de achar uma
canção brasileira, original, em português, que as crianças
entendessem. Chegamos então no "Tindolelê" e "Tindolalá", que elas
conhecem e, sonoramente, são parecidas com o original. (Bryan 2012:
1)
À pergunta “O que uma boa tradução precisa ter?”, Furtado responde
que é aquela que respeita e “mantém a intenção do autor e o prazer da
leitura na língua de destino” e, ao mesmo tempo, desrespeita “detalhes do
original, para poder fazer com que ele faça sentido numa nova língua e
numa outra época” (Bryan 2012: 1).
As respostas de Furtado nos levam a crer que seu posicionamento
teórico sobre tradução oscila entre conservador (“tradução bastante fiel”,
“manter a intenção do autor”) e contestador (“tradução adaptada para
crianças brasileiras de hoje”, “desrespeitar detalhes do original”), algo que
tangencia diretamente a difícil tarefa de determinar os limites e as
intersecções entre tradução e adaptação, como tão bem apontou Amorim
(2005).
Liziane Kugland (de Souza), por sua vez, faz teorizações mais
consistentes, alegando que traduzir “envolve a recriação dos elementos
linguísticos do texto original em um texto de língua e culturas diversas e
que, para tanto, o tradutor deve intervir no texto para que os significados
nele contidos possam ser reconstruídos em uma outra língua de uma outra
cultura. Desse modo, o tradutor não conseguirá ser inteiramente fiel ao
texto de partida ou a seu autor”, uma vez que deverá fazer escolhas que
preservem o efeito do texto, o mais aproximadamente possível, na língua de
chegada, deixando sempre que o leitor o complete” (2013: 20).
A quarta adaptação é de Isabela Lopes Coelho (2016), doutora em
Teoria Literária e Literatura Comparada, mestre em Língua e Literatura
Francesa, ambos pela Universidade de São Paulo, que, além de diretora do
Núcleo Infantojuvenil da Editora Cosac Naify, hoje em dia, é publisher na
FTD Educação. Infelizmente, não conseguimos informações sobre sua
prática tradutória; no entanto, ressaltamos que essa é única obra analisada,
Brezolin & Moreira
Análise de adaptações em portugués brasileiro de Through the Looking
79
Skopos 12 (2021), 69-94
aqui, que não faz qualquer referência à palavra tradução em sua ficha
catalográfica, a qual informa que se trata de uma “Adaptação de: Through
the looking-glass, and what Alice found there/Lewis Carroll”, em lugar
nenhum aparece “tradução” ou “tradutor”; ao contrário, Coelho figura como
autora dessa publicação.
De modo geral, é curioso observar que, embora alguns dos
comentários, sobre o que seja traduzir ou adaptar, feitos por leitores
professionais que produzem as reescrituras, possam, num primeiro
momento, soar contraditórios e inconsistentes, na realidade, parecem refletir
a dificuldade de se delimitar fronteiras claras e objetivas entre as duas
modalidades: tradução e adaptação.
Após essas considerações, retornamos à pergunta: ao entrar em
contato com uma obra classificada de “tradução/adaptação” ou “adaptação”,
o que o leitor, então, encontrará ali?
É o que pretendemos descobrir ao longo de nossas análises quando
procuraremos detectar e discutir as estratégias empregadas pelos
adaptadores. Para tanto, recorremos, num primeiro momento, às estratégias
propostas por Bastin (1993; 2011), apresentadas a seguir, para, então,
propormos as nossas, baseadas nesse autor bem como em nossas
observações e interpretações.
4. Do lado de lá: cotejo entre as adaptações
Segundo Bastin (1993), existem determinadas condições que levam
os tradutores à opção de adaptar o texto-fonte, entre elas estão: 1)
especificidades dos sistemas linguísticos: todo idioma tem características
inerentes que permitem certas construções, como jogos de palavras,
idiomatismos, ambiguidades, por exemplo, que não encontram
correspondências diretas em outro; 2) adequação cultural ou situacional:
necessidade de modificar situações em que o contexto ou pontos de vistas
presentes no texto-fonte não existam ou o façam sentido na língua da
cultura de chegada; 3) modificação de gênero: necessidade de
redirecionamento a um novo público-alvo, por exemplo, adequar a
linguagem para crianças de um texto literário indicado para adultos, e 4)
descompasso no processo comunicacional: necessidade de abordar um tipo
diferente de leitor que, em geral, exige modificações no estilo, no conteúdo
e/ou na apresentação do texto-fonte.
Na prática, ainda de acordo com Bastin (1993), essas condições (que
podem ocorrer concomitantemente) acabam gerando dois principais tipos
Brezolin & Moreira
80
Skopos 12 (2021), 69-94
de adaptação: a pontual e a global. A pontual, atrelada às duas primeiras
condições, é recomendada a apenas partes específicas de um texto,
originando-se da necessidade de substituir nomes de personagens ou
recriar cantigas e poemas, por exemplo, isto é, apenas certos elementos ou
porções do texto-fonte. A global, relacionada às duas últimas condições, é
estabelecida por fatores externos que exigem alterações mais abrangentes,
como a redução de páginas ou a supressão de capítulos, por exemplo.
Como estratégias globais, o autor recomenda omissão (eliminação de
parte do texto, ou deixá-la subentendida por meio de algum recurso
adicional) e criação (substituição mais global por um texto que preserva
somente as ideias, funções ou mensagens essenciais do texto-fonte) e
como estratégias pontuais, transcrição do original (transcrição palavra-por-
palavra de parte do texto original, seguida de uma tradução literal),
expansão (adição ou explicitação de informação contida no texto-fonte, seja
no próprio texto da tradução, ou por meio de notas explicativas, glosas ou
glossários), exotismo (substituição de fragmentos do texto-fonte com gírias,
dialetos, palavras nonsense, entre outros, por análogos inusitados na
língua-alvo), atualização (substituição de informação desatualizada ou
obscura por equivalentes mais condizentes com a realidade do público-
alvo), e equivalência situacional (recriação de um contexto mais familiar ao
público-alvo ou que seja mais adequado culturalmente do que o empregado
no texto-fonte).
12
Cabe aqui esclarecermos que algumas estratégias que discutiremos aqui
foram detectadas, classificadas, revistas e ampliadas, como, por
exemplo, por Barbosa (1990), que elaborou seu próprio modelo, analisando
diversos teóricos, entre eles, Vinay & Darbelnet (1958). Reiteramos que
nossa fonte de inspiração para analisarmos, interpretarmos e
denominarmos as estratégias encontradas nas obras aqui investigadas
baseia-se, sobretudo, em Bastin (1993), que considerou textos adaptados
para elaborar seus procedimentos, e Amorim (2005), que, ao comparar
traduções e adaptações, menciona diversos recursos para lidar com as
duas modalidades. As denominações por nós dadas às estratégias poderão,
consequentemente, coincidir com as de outros modelos. Além disso, como
são resultantes de nossas observações e interpretações, são sugestões
passíveis de futuros ajustes e possíveis críticas.
A partir de nossas análises, então, detectamos intervenções por parte
dos adaptadores que agrupamos em duas categorias: macrotextuais,
caracterizadas por reestruturações relacionadas ao formato, à apresentação
12
No original: “transcription de l’original, l’omission; l’expansion; l’exotisation; l’actualisation;
l’équivalence des situations e création”. (BASTIN, 1993)
Brezolin & Moreira
Análise de adaptações em portugués brasileiro de Through the Looking
81
Skopos 12 (2021), 69-94
da obra, muitas vezes, motivadas por fatores externos, e microtextuais,
representadas por modificações em apenas alguns elementos ou algumas
porções do texto-fonte suscitadas por questões linguísticas e/ou culturais.
Na primeira categoria, figuram criação, redistribuição, fusão e supressão
e, na segunda, aclimatação ortográfica, substituição, simplificação, redução,
compensação e recriação.
A seguir, apresentamos as estratégias pertencentes a cada uma das
categorias, aqui chamadas de intervenções, e as explicitamos com
exemplos das obras analisadas.
4.1. Intervenções macrotextuais
- Criação: refere-se à condensação ampla e radical do texto-fonte,
substituindo-o por outro que preserva as ideias e os objetivos principais.
Essa estratégia é claramente percebida na adaptação de Coelho (2016), a
qual apresenta um dos menores textos na língua de chegada, 24 páginas
(contra 173 do original aqui utilizado), além disso, como algumas ilustrações
ocupam página inteira, esse número é ainda mais reduzido. Nessa
publicação, a folha de rosto informa claramente que se trata de uma
adaptação, “baseada” na obra original de Lewis Carroll. Como veremos
mais adiante, criação abarca outros tipos de intervenção.
- Supressão: eliminação total de determinados itens ou porções do texto-
fonte. Ainda considerando o texto de Coelho (2016), para que o texto-alvo
ficasse de fato condensado, foi necessário omitir os títulos dos capítulos,
poemas e canções, por exemplo. Esta estratégia também foi adotada por
Lobato (1962), que suprimiu um poema e uma canção, e por José (1986),
que omitiu um poema. Das 25 personagens principais (dramatis personae)
elencadas por Carroll (1994, p. 6), Coelho suprimiu 10 e Lobato (1962),
duas.
- Redistribuição: apresentação do texto-fonte em novo formato. Coelho
(2016), ao condensar o conteúdo de 12 capítulos do texto de partida, os
redistribui em 14 “blocos”. Num primeiro momento, pode parecer
contraditório, porém, isso não configura aumento, pois, como vimos, tudo é
apresentado em 25 páginas apenas. Assim, o início dos “blocos”,
representando os capítulos, é indicado por uma letra cor-de-rosa em
tamanho bem maior do que a dos parágrafos subsequentes, nos quais é
possível identificar o conteúdo dos capítulos da obra em língua inglesa.
- Fusão: junção ou combinação de determinados elementos do texto-
fonte. Ao observamos a obra de José (1986), veremos que contém 11
capítulos apenas. Numa primeira interpretação, poderíamos pensar em
Brezolin & Moreira
82
Skopos 12 (2021), 69-94
supressão, porém, o conteúdo do capítulo 12 não foi eliminado, e, sim,
incorporado ao décimo-primeiro, de modo que não comprometeu seu
conteúdo.
Passemos agora às intervenções microtextuais.
4.2. Intervenções microtextuais
- Aclimatação ortográfica: conversão de vocábulos da língua-fonte,
grafando-os de acordo com o sistema fono-ortográfico da língua de
chegada. Isso ocorreu com Tweedledum and Tweedledee”, Humpty
Dumpty(títulos de capítulos e nomes de personagens) e com Kitty(nome
de personagem), os quais foram grafados como “Tidudum e Tiduli”, Rúmiti
Dúmpiti” e “Quíti”; respectivamente, por José (1986).
- Substituição: troca de determinados elementos do texto-fonte por itens
existentes e característicos da cultura da língua de chegada, mas que não
sejam correspondentes previsíveis, como o hino nacional de um país pelo o
de outro, por exemplo. As personagens Tweedledum and Tweedledeee
The Lion and the Unicorn”, também os títulos dos Capítulos 4 e 7,
receberam soluções culturalmente marcadas por parte de Furtado/Kugland
(2012): “Tindolelê e Tindolalá” e “O Cravo e a Rosa”, respectivamente.
Nesses casos, os adaptadores tentaram aproximar ao máximo o texto-alvo
dos novos leitores, lançando mão de personagens de cantigas populares do
Brasil, “Meu limão, meu limoeiro” e “O Cravo e a Rosa”, com função
pragmática semelhante (Apêndice 2).
- Redução: diferentemente da condensação, que ocorre com o texto
inteiro, aqui, apenas porções de um determinado item do texto-fonte são
omitidas. Tomemos como exemplo Jabberwocky”, o famoso poema
nonsense, em que Carroll se valeu de neologismos e palavras inventadas
para dar vida ao monstro que assombra Alice em seus sonhos. A primeira
das sete estrofes do poema (abaixo) é introduzida, de forma invertida, no
capítulo “A casa do espelho”, quando a garotinha explica que ali tudo está
ao contrário, até mesmo os livros que devem ser lidos em frente a um
espelho, pois as palavras e os versos estão invertidos:
ƨǝvoɈ γʜɈγlƨ ǝʜɈ bnɒ ˎϱilliɿd ƨɒwT
;ǝdɒw ǝʜɈ ni ǝldmγϱ bnɒ ǝɿγϱ bi
ˎƨǝvoϱoɿod ǝʜɈ ǝɿǝw γƨmim llA
.ǝdɒɿϱɈυo ƨʜɈɒɿ ǝmom ǝʜɈ bnA
(CARROLL, 1994: 27)
Brezolin & Moreira
Análise de adaptações em portugués brasileiro de Through the Looking
83
Skopos 12 (2021), 69-94
Na página seguinte, o poema que contém sete estrofes, é
apresentado por Carroll na íntegra, com as letras e os versos na ordem
usual:
JABBERWOCKY
Twas brillig, and the slythy toves
Did gyre and gymble in the wabe;
All mimsy were the borogoves,
And the mome raths outgrabe.
(…)
(CARROLL, 1994: 28-30)
Lobato (1962), porém, apresenta apenas a quinta estrofe com as
letras invertidas (Apêndice 1- Poema 1), informando que se trata de uma
“amostra”, não incluindo a estrofe na forma correta, nem as estrofes
restantes. Lobato também adotou este recurso ao traduzir somente o
primeiro dos 18 versos do poema The Walrus and the Carpenter e ao
transformar os 40 versos da “Canção das estações” em apenas 15:
resultados que, ao nosso ver, configuram-se como redução.
- Simplificação: facilitação da leitura do novo público-alvo por meio de
estruturas linguísticas mais usuais. Retomando Jabberwocky”, Monteiro
(1962), ao compor apenas a primeira estrofe, o faz com vocábulos em
língua portuguesa perfeitamente inteligíveis, apagando, assim, o teor
criativo e enigmático do poema nonsense de Carroll, característica que José
(1986) e Furtado/Kugland mantiveram, recriando o poema (Apêndice 1,
poema 1).
- Compensação: menção a um item ou a uma porção do texto-fonte
que foi suprimido(a). Como vimos, Lobato (1962), ao introduzir o poema
Jabberwocky”, no Capítulo 1, o faz sem citar seu título, apresentando-o por
intermédio da quinta estrofe apenas; no Capítulo 6, no entanto, para
compensar essa redução, ele cita o título e oferece dois versos da primeira
estrofe, compondo-os com recursos estilísticos menos sofisticados, porém
mais próximos aos das criações de Carroll (Apêndice 1, Poema 1). Coelho
(2016) empregou este recurso, diversas vezes, para mencionar a existência
de poemas e canções: (...) um poema muito bonito, apesar de muito difícil
de entender” (p. 4, grifos da adaptadora); “(...), sorrindo, os dois irmãos
começaram a cantar a interminável e estranha canção de uma noite de Sol
em uma praia, o que enfureceu a Lua” (p. 12); “(...) ovos são muito bonitos,
sabia? E cantou uma musiquinha dedicada a ele” (p. 17), em referência a
Brezolin & Moreira
84
Skopos 12 (2021), 69-94
Humpty Dumpty; “... (e) depois de cantar uma canção, ...(p. 18), “... (m)as
para você não ficar triste, vou cantar uma canção” (p. 23); Cante uma
canção de ninar para ela ordenou a Rainha Vermelha./ Mas eu não sei
nenhuma./ Tem uma que diz assim ...” (p. 23-24); “(e) a porta se abriu e
Alice ouviu uma canção num coro de cem vozes, chamando por ela, ...” (p.
24) e “(m)as a Rainha Branca caiu na gargalhada, apertou as bochechas de
Alice e começou a cantar uma canção-charada” (p. 24).
Por fim, apresentamos a estratégia, recriação, compreendida aqui de
duas maneiras:
1. reinterpretação de um item da língua-fonte, que, então, é
apresentado por meio de uma construção inusitada e, portanto, inexistente
na língua-alvo. Furtado/Kugland adotaram essa estratégia para lidar com
Humpty Dumpty”, uma das personagens mais clássicas de Carroll. Como
se sabe, ela tem o formato de um ovo e, na história, caiu do muro,
despedaçou-se e não pôde ser consertado, além disso, refere-se também a
uma pessoa baixa e gorda. Certamente, por causa disso, os adaptadores,
tão engenhosamente, optaram por “Ovaldo Rotundo”, recriando um nome
com base nas características da personagem (oval e rechonchudo) e ainda
fazendo um jogo de palavras com um nome masculino existente “Osvaldo”,
e
2. reconstrução que, respeitadas as particularidades da língua de
chegada, tenta reproduzir características estilísticas semelhantes às do
texto-fonte, como, rimas, neologismos, entre outras (Apêndice 1, Poema 2).
Este recurso foi empregado em três das obras analisadas para lidar
com a brincadeira de salão, envolvendo as personagens Haigha e “Hatta”.
Para Souza (2013), embora sejam secundárias em Through the looking
glass, elas representam duas protagonistas de Alice’s Adventures in
Wonderland, onde aparecem como a Lebre de Março (March Hare) e o
Chapeleiro (Hatter). Essa associação, segunda a autora, se faz “não apenas
pela semelhança ortográfica e fonética entre os nomes (Haigha/Hare
Hatta/Hatter), mas também pelas ilustrações de John Tenniel, que retratam
os mensageiros como uma lebre e um chapeleiro” (p. 59). São por
intermédio delas que Alice se lembra de uma “brincadeira de salão popular
à época”, conhecida pela frase inicial I love my love with an A”, a partir da
qual o participante deveria completar as frases subsequentes com palavras
iniciando com a mesma letra, o próximo a jogar deveria usar a letra B e
“assim sucessivamente até que alguém não conseguisse encontrar palavras
para completar todas as frases” (p. 59-60). A despeito de outras possíveis
conotações desses nomes apontadas por Souza (2013), interessa-nos
saber como os adaptadores aqui analisados trataram do aspecto linguístico.
Brezolin & Moreira
Análise de adaptações em portugués brasileiro de Through the Looking
85
Skopos 12 (2021), 69-94
Tanto Lobato quanto José apresentam soluções que se aproximam
mais da estrutura da brincadeira, optam pelas C e R, respectivamente
(Apêndice 3), com as quais iniciam diversas palavras da brincadeira em
língua portuguesa. Desse modo, as personagens, tratadas como
mensageiros, fazem, portanto, referência à lebre e ao chapeleiro e recebem
os seguintes nomes: “Ciro/Cairo” (Lobato 1962) e “Ribaldo/Riveldo” (José
1986). Furtado/Kugland (2012) chamam os mensageiros de “Letícia” e
“Léo”. Como Souza (2013) explica, os adaptadores optaram por substituir a
letra H por uma sílaba: “Alice não lembra dos versos por causa da inicial do
nome da Mensageira, mas por causa da palavra ‘alegre’, cuja sílaba ‘le’ é a
sílaba inicial de seu nome, Letícia, e também da palavra ‘lebre’ (p. 66, grifos
da autora). Ainda, “a palavra happy pôde ser traduzida por “alegre” tanto na
fala do Rei quanto na de Alice, conservando o gatilho que leva Alice a
lembra-se da brincadeira” (p. 66, grifos da autora). Assim, com a sílaba “le”,
presente em Lebre” e “Chapeleiro” e pronunciada aberta, criaram não
apenas os nomes dos mensageiros, mas também os de outros elementos
do versinho. Em vista disso, percebemos consistência nas escolhas desses
adaptadores, resultados que se configuram, a nosso ver, como recriações,
nitidamente motivadas por um aspecto linguístico e contextual.
Essa estratégia foi também empregada por José (1986) e
Furtado/Kugland (2012) para transporem o famoso poema (já citado),
Jabberwocky”, para língua portuguesa (Apêndice 1, Poema 1), em que os
adaptadores criam neologismos, sobretudo, na tentativa de se aproximarem
ao máximo do texto-fonte.
Aqui, no entanto, cabe uma ressalva quanto ao emprego da
estratégia recriação, que parece figurar em obras classificadas tanto como
“traduções/adaptações” ou “adaptações”, quanto como “traduções”. Ainda
com relação a Jabberwocky”, apenas citando um exemplo, na “tradução”
de Alexandre Barbosa de Souza (2015), o poema foi recriado com
estratégias significativas como o uso de palavras-valise pelos tradutores,
assim como as rimas e sonorizações seguindo o estilo apresentado no
texto-fonte (Santos 2019: 1), ou seja, recebeu o mesmo tratamento que
outros adaptadores lhe deram (Apêndice 1). Com isso, parece ficar evidente
que várias das estratégias aqui discutidas não sejam exclusivas de
traduções ou de adaptações, mas que poderão ser empregadas em ambas
as modalidades, dependendo das características do texto-fonte, das
potencialidades e limitações da língua-alvo, ou ainda de forças externas,
como questões mercadológicas (Azenha & Moreira 2012). Salientamos
também exigências por parte da editora em decorrência do perfil da coleção
à qual a obra esteja vinculada, como parece ser o caso da adaptação de
Coelho (2016), que faz parte da Coleção Folha Minha Primeira Biblioteca,
Brezolin & Moreira
86
Skopos 12 (2021), 69-94
dado que, até certo ponto, ratifica grande parte, ou talvez a maioria, das
decisões e escolhas da adaptadora.
De modo geral, como foi possível observar, inferimos, por
conseguinte, que das quatro obras em português analisadas, três, a de
Lobato (1962), a de José (1986) e a de Furtado/Kugland (2012),
apresentaram um conjunto variado e distinto de intervenções, porém, nem
todas com a mesma intensidade. Na obra de Lobato (1962), detectamos
casos de supressão, redução, simplificação e compensação; na de José
(1986), supressão e fusão, e, além disso, como as duas apresentam
ilustrações parecidas e muito próximas às do original, elas nos remetem a
obras menos adaptadas. A obra de Furtado/Kugland, que combinou muitos
casos de substituição e recriação e incluiu ilustrações próprias, mostra-se,
assim, mais adaptada que as duas anteriores. A obra de Coelho (2016), por
seu turno, como mencionamos, é a que apresenta o maior conjunto de
intervenções, caracterizando-se, do ponto de vista macrotextual, como
criação, que, então, abarca, supressão, redução e compensação, por
exemplo. Além disso, a quantidade de ilustrações diferentes das do original,
ocupando páginas inteiras, retrata, portanto, de maneira mais intensa e
perceptível, uma obra bastante adaptada. A nosso ver, é esse tipo de
intervenção mais abrangente e arrojado, em Coelho (2016), que revestirá
textos transpostos de uma língua para outra com traços fortes e marcados
que acabarão lhes conferindo o status mais próximo a de uma “adaptação”.
Porém, diante do que discutimos e pelo de fato de ela se diferenciar
sobremaneira das outras três, acreditamos ser mais justo inclui-la na
classificação “histórias recontadas”, isto é, obras clássicas adaptadas para
outros idiomas por meio de um estilo narrativo mais livre e numa linguagem
mais apropriada ao público infantojuvenil ou a jovens adultos, por exemplo,
conforme sugerem Amorim (2005) e Azenha & Moreira (2012).
5. Considerações finais
Em vista disso, resta-nos concordar que, de fato, estabelecer limites
bem definidos entre tradução e adaptação não é tarefa fácil, uma vez que,
como foi possível observar, as duas modalidades apresentam
características e atributos inerentes e inegáveis ao ato de transpor um
idioma a outro. Somente ao analisarmos o resultado de possíveis
orientações dadas a um texto e ao observarmos os tipos de estratégias
mais recorrentes e em maior quantidade ali presentes, é que poderemos
decidir se estamos diante de uma história “traduzida”, “adaptada” ou
“recontada”.
Brezolin & Moreira
Análise de adaptações em portugués brasileiro de Through the Looking
87
Skopos 12 (2021), 69-94
Ao lado dos rótulos dados a obras transpostas de uma língua a outra,
caminham dicotomias como literal/livre”, “genuína/derivada”, entre outras
relações, tão arraigadas em nossa cultura, que acabam conferindo a
ambas, tradução e adaptação, atributos rígidos e infundados, visto que não
existem traduções totalmente literais, nem adaptações totalmente livres, por
exemplo. Tais oposições simplesmente alimentam percepções equivocadas
das maneiras de se trasladar um texto, o contribuindo para discussões e
reflexões mais realistas e ponderadas.
Aqui, retomamos a pergunta que nos acompanhou ao longo deste
texto: ao entrar em contato com uma obra classificada de
“tradução/adaptação ou “adaptação”, o que o leitor poderá, então,
encontrar do outro lado? De uma coisa estamos certos, independentemente
da classificação atribuída às obras, o leitor nunca encontrará um texto que
esteja livre das ingerências do tradutor, visto que não neutralidade em
nenhum desses processos. Encontrará, portanto, dependendo da
orientação dada aos textos, obras que contenham o predomínio de
determinadas intervenções, as quais empregadas em conjunto, lhes
imprimirão o rótulo de traduzidas, adaptadas ou recontadas. Entendemos,
desse modo, que as três modalidades estejam atreladas ao termo guarda-
chuva tradução, as quais podem, assim, conter traços que se aproximam,
que se distanciam, que se entrecruzam, mas que representam, sobretudo,
escolhas particulares de tradutores e adaptadores em função da maneira
como concebem cada uma das atividades e em função da tarefa que lhes
fora proposta.
Por fim, independentemente do tipo de texto apresentado na língua
de chegada e independentemente da consciência ou não dos leitores-alvo
de que possa deparar-se com uma obra traduzida, adaptada ou recontada,
é obrigação das editoras informar com clareza qual modalidade o leitor
encontrará.
Referências
AMORIM, L. M. (2005): Tradução e Adaptação: encruzilhadas da
textualidade em Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, e
Kim, de Rudyard Kipling. São Paulo: UNESP.
AZENHA JR., J.; MOREIRA, M. (2012): Chapter 4- Translation and
Rewriting: Don’t Translators ‘Adapt’ When They ‘Translate’?. In:
RAW, L. Translation, Adaptation and Transformation. London/New
York: Bloomsbury Publishing Plc, 61-79.
BARBOSA, H. G. (1990): Procedimentos Técnicos da Tradução - Uma Nova
Proposta. Campinas: Pontes.
Brezolin & Moreira
88
Skopos 12 (2021), 69-94
BASTIN, G. L. (1993): La Notion d’Adaptation en Traduction. Meta:
Translators’ Journal, 38(3), 47378.
BRITTO, P. H. (2012): A tradução literária. Coleção Primeiros Passos. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira.
CARROLL, L. (1994/1872): Through the Looking Glass. London: Penguin
Books.
CARROLL, L. (2015): Alice através do espelho. Tradução Alexandre
Barbosa de Souza. Ilust. Rosângela Rennó. São Paulo: Cosac &
Naify.
CARROLL, L. (2012): Alice através do espelho. Tradução e adaptação
Jorge Furtado e Liziane Kugland. Rio de Janeiro: Objetiva.
CARROLL, L. (1986): Alice no País do Espelho. Tradução e adaptação
Ganymédes José. Rio de Janeiro: Tecnoprint S/A.
CARROLL, L. (1962): Alice no País do Espelho. Tradução e adaptação
Monteiro Lobato, 2ª. Ed. São Paulo: Brasiliense.
COELHO, I. L. (2016): Alice através do espelho e o que ela encontrou .
São Paulo: Folha de S. Paulo.
EVANGELISTA, L. M. (2019): O que o leitor encontrou do outro lado do
espelho: uma análise das adaptações de Through the Looking Glass
and What Alice Found There, de Lewis Carroll. Trabalho de
Conclusão de Curso (Graduação em Letras -Língua Estrangeira)
Diretoria de Graduação da Universidade Metodista de São Paulo, São
Bernardo do Campo.
JAKOBSON, R. (2005): Aspectos linguísticos da tradução. In:
JAKOBSON, R. Linguística e Comunicação. Tradução Izidoro
Blikstein e José Paulo Paes. 20ª. Ed. São Paulo: Cultrix, 63-72.
MILTON, J. (2019): Um país se faz com tradutores e traduções. A
importância da tradução e da adaptação na obra de Monteiro Lobato.
São Paulo: Martins Fontes – Selo Martins.
MILTON, J. Translation Studies and Adaptation Studies [On-line].
Translation Research Projects 2. Tarragona, Espanha: Intercultural
Studies Group, Universitat Rovira i Virgili, 2009 [23 de março de
2021]. Disponível em:
http://isg.urv.es/publicity/isg/publications/trp_2_2009/index.htm
MILTON, J. (2002): O Clube do Livro e a tradução. Bauru: EDUSC.
MITTMANN, S. (2003): Notas do tradutor e processo tradutório: análise sob
o ponto de vista discursivo. Porto Alegre: UFRGS.
RAW, L. (2012): Introduction Identifying Common Ground. In: RAW, L.
Translation, Adaptation and Transformation. London/New York:
Bloomsbury Publishing Plc, 1-20.
RODRIGUES, C. C. (2005): Prefácio. In: AMORIM, L. Tradução e
Adaptação: encruzilhadas da textualidade em Alice no País das
Brezolin & Moreira
Análise de adaptações em portugués brasileiro de Through the Looking
89
Skopos 12 (2021), 69-94
Maravilhas, de Lewis Carroll, e Kim, de Rudyard Kipling. São Paulo:
UNESP, 11-13.
SANTOS, L. dos. (2019): Jabberwocky, de Lewis Carroll: uma análise das
variações linguísticas sob a luz da teoria da tradução. Olho d’água,
11(2), 1215.
SHUTTLEWORTH, M. & COWIE, M. (1997): Dictionary of Translation
Studies. Manchester: St. Jerome.
SOUSA, T. P. de & AMORIM, L. M. (2005): As relações entre tradução e
adaptação e as variações da identidade negra em A Cabana do Pai
Tomás, de Harriet Beecher Stowe”. Trabalhos de Linguística
Aplicada, 54(3), 545-568.
SOUZA, L. K. de. (2013): Tradução de nomes próprios em Through the
Looking Glass, de Lewis Carroll: influências na narrativa e no público-
alvo. 2013. 100 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) -
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Letras, Porto
Alegre.
TSUI, C. S. K. (2012): Chapter 3- The Authenticity in ‘Adaptation’: A
Theoretical Perspective from Translation Studies. In: RAW, L.
Translation, Adaptation and Transformation. London/New York:
Bloomsbury Publishing Plc, 54-60.
VINAY, J-P. & DARBELNET, J. (1958/1995): Comparative Stylistics of
French and English: A Methodology for Translation. Tradução de Juan
C. Sager & M.-J. Hamel. Amsterdam & Philadelphia: John Benjamins
Publishing Company.
Brezolin & Moreira
90
Skopos 12 (2021), 69-94
Apêndices
Apêndice 1- Poemas
Poema 1- “Jabberwocky
1ª. estrofe
Carroll (1994, p. 28-30)
Jabberwocky
Twas brillig, and the slithy toves
Did gyre and gimble in the wabe:
All mimsy were the borogoves,
And the mome raths outgrabe.
Lobato (1962, p. 88)
Jabberwocky
Panfogo nas peiolhas da gere e ruma
Xuruxuxu mais potocauçu faz fiufirififiu
José (1986, p. 15)
O burugudunzeiro
Entardenoitecia, e os rosântemos pililáceos
Girandavam se enfurlhando nos embiroscais
Enquanto os cansadolentos borogovos
E os porcorés casiosos escutavam o gritobio nos
canaviais.
Furtado & Kugland (2012)
GRITARRILHO
Ia a brilhora
O texungo cachorrava
Furungante no benhá
Fristonha estava a borgava
Casarratas a exgravar.
Sousa (2015, p. 32-35)
Jaberuco
No luscofusco, texugolesmais
Girogravavam pelsa vagramas,
Havia borogovas mimosicais
E os fofomuscos davam alframas
5ª. estrofe
Carroll (1994, p. 28-30)
One, two! One, two! And through and through
The vorpal blade went snickersnack!
He left it dead, and with its head
He went galumphing back.
Lobato (1962, p. 16)
Um, dois! Um, dois! Zás-trás, zás-trás!
A espada zuniu no ar zás.
A cabeça do monstro caiu trás!
Pinoteando para trás ...
José (1986, p. 15)
Um, dois! Um, dois! E a cada passo cuidadoso
Ia a sua espada cortando, a derrubar!
Até que ele deixou morto e levou-lhe a cabeça
Para casa, todo feliz, a assobiar!
Brezolin & Moreira
Análise de adaptações em portugués brasileiro de Through the Looking
91
Skopos 12 (2021), 69-94
Furtado & Kugland (2012)
Um, dois! Um, dois! Um antes, um depois
A lâmina vorpal ceifou cortante
Cabeça em sua mão, morto no chão
E ele volta para casa galofante.
Sousa (2015)
Um, dois! Um, dois! E assim depois
A espada vorpal foi triscafincando!
Deixou-o morto, e sem o corpo
Trazendo a cabeça voltou galunfante.
Poema 2- “Humpty Dumpty
Carroll
(1994, p. 94)
Lobato
(1962, p. 80)
José
(1986, p. 60)
Furtado/Kugland
(2012, p. 106)
Humpty Dumpty sat
on a wall:
Humpty Dumpty had
a great fall.
All the King’s horses
and all the King’s
men
Couldn’t put Humpty
Dumpty in his place
again.
Humpty Dumpty
está sentado num
muro:
Humpty Dumpty
não demora a cair.
Todos os soldados e
cavalos do rei
Não poderão de
novo fazê-lo ao
muro subir.
Rúmpiti Dúmpiti
estava sentado no
muro,
Quando um belo
tombo revirou, um,
dois, três,
Nem todos os
cavalos e soldados
do rei
Conseguiram colocá-
lo em cima do muro
outra vez!
Ovaldo Rotundo
sentou-se no muro
Ovaldo Rotundo
caiu de maduro
Nem o Rei, seus
cavalos, sua escolta
Conseguiram botar
Ovaldo Rotundo de
volta.
Apêndice 2- Canções
Canção 1- “Tweedledum and Tweedledee
Carroll
(1994/1872, p. 61)
Lobato
(1962, p. 50)
José
(1986, p. 37-39)
Furtado/Kugland
(2012, p. 66)
Tweedledum and
Tweedledee
Tweedledum e
Tweedledee
Tidudum e Tidudi
Tindolelê e
Tindolalá
Tweedledum and
Tweedledee
agreed to have a
battle; for
Tweedledum said
Tweedledee
had spoiled his nice
new rattle.
Just then flew down
a monstrous crow,
As black as a tar-
Tweedledum e
Tweedledee
Combinaram uma
batalha
Porque Dum furtara
a Dee
Uma barulhenta
gralha;
Mas desse instante
surgindo
Dum policial a
Tidudum e Tidudi,
um dia puseram-se a
brigar
Porque Dum dizia
o gordo di aquele
bolha!
Havia estragado o
seu guiso,
O seu guiso
novíssimo em folha!
Mas, de repente, um
Meu limão, meu
limoeiro
Meu pé de jacarandá
Uma vez tindolelê
Outra vez tindolalá
Brezolin & Moreira
92
Skopos 12 (2021), 69-94
barrel;
which frightened
both the heroes so,
They quite forgot
their quarrel.’
barriga
Os dois terríveis
heróis
Esqueceram logo a
briga.
monstruoso corvo do
ceú desceu!
Mais negro do que
carvão, ele veio se
aproximando!
Tamanho medo nos
dois gordinhos
meteu,
Que eles até se
esqueceram de
continuar brigando!
Canção 2- “The Lion and the Unicorn
Carroll
(1994, p. 116)
Lobato
(1962, p. 98)
José
(1986, p. 75)
Furtado/Kugland
(2012, p. 131)
‘The Lion and the
Unicorn’ were
fighting for the
crown:
The Lion beat the
Unicorn all around
the town.
Some gave them
white bread, some
gave them brown;
Some gave them
plim-cake and
drummed them out
of town. ’
Lutando pela coroa
estavam o Leão e o
Unicórnio.
O leão bateu o
Unicórnio em redor
dos muros da cidade.
Alguns deram a êles
pão branco; outros
deram pão prêto.
Outros deram a êles
pudim e botaram-
nos para fora à força
de tambores.
“O Leão e o
Unicórnio estavam
lutando pela coroa.
O Leão derrotou o
Unicórnio fora dos
muros da cidade.
Alguns trouxeram-
lhes pão branco.
Outros trouxeram-
lhes pão preto.
Muitos lhes deram
pudim e outros os
puseram a correr de
verdade.”
O cravo brigou com
a rosa
Debaixo de uma
sacada
O cravo saiu ferido
E a rosa
despedaçada.
O cravo ficou doente
E a rosa foi visitar
O cravo teve um
desmaio
E a rosa pôs-se a
chorar.
A rosa fez serenata
O cravo foi espiar
E as flores fizeram
festa
Porque eles vão se
casar.
Brezolin & Moreira
Análise de adaptações em portugués brasileiro de Through the Looking
93
Skopos 12 (2021), 69-94
Apêndice 3- Brincadeira de salão
Carroll
(1994, p. 112)
Lobato
(1962, p. 95)
José
(1986, p. 72)
Furtado/Kugland
(2012, p. 127)
‘Not at all,said the
King. ‘He’s an
Anglo-Saxon
Messenger and
those are Anglo-
Saxon attitudes. He
only does them when
he’s happy. His
name is Haigha.’
(He pronounced it so
as to rhyme with
‘mayor’)
‘I love my love with
an H’ Alice couldn’t
help beginning,
‘because he is
Happy. I hate him
with an H, because
he is hideous. I fed
him with with
Ham-sandwiches
and Hay. His name
is Haigha, and he
lives –‘
He lives on the
Hill,’ the King
remarked simply,
without the least
idea that he was
joining in the game,
while Alice was still
hesitating for the
name of a town
beginning with H.
‘The other
Messenger’s called
Hatta. I must have
two, you know to
come and go. One to
come, and one to
go.’ …
sei, disse o Rei.
É Ciro. Ele costuma
caminhar assim
quando está
contente.
Alice lembrou-se
dem versinho
popular sobre a letra
C, que era a primeira
letra desse
mensageiro.
Eu amo o meu amor
com C porque é
Completo. Eu o
odeio com C porque
é Cavorteiro. Eu o
alimento com com...
com Cocada e
Capim. Seu nome é
Ciro e êle mora na...
Ele mora na
Caverna, completou
o Rei ajudando Alice
a achar uma morda
cujo nome também
começasse por C. O
outro mensageiro se
chama Cairo. Como
você sabe, é preciso
ter dois mensageiros,
um para ir outro para
vir.
Engraçado nada!
declarou o Rei.
Esse é um
Mensageiro anglo-
saxão e essas são as
refinadas maneiras
de um verdadeiro
inglês! Ele somente
se comporta assim
quando está feliz. O
nome dele é Ribaldo
sabia? e
pronunciando o
nome como se para
rimar com cardeal.
Alice não pôde
deixar de achar
engraçado e pôs-se a
recitar um exercício
para pronunciar bem
os R:
O rato Rirrico
roeu rapidamente a
roupa do rei da
Rússia e correu rindo
para a rua Risonha
onde rezou um
rápido rosário. O
real Mensageiro
chama Roberval e
mora...
Ele mora em
Redbridge!
concluiu o Rei, sem
perceber que havia
entrado no jogo,
enquanto Alice
estava tentando se
lembrar do nome de
alguma cidade que
começasse com R.
Normal disse o
Rei. Ela é uma
lebre do norte, esse é
o jeito dela. A lebre
fica assim quando
está alegre. Ela se
chama Letícia. (Ele
pronunciou “Lé-
ticia”, como em
“lebre”.)
Quando estou a
-gre eu me sinto
-ve Alice não
conseguiu se conter
e É-LE-gante. Não
é -gal comer -
gumes, mas pico-
LÉ...É. Ela se chama
-tícia e mora...
Ela mora a léguas
daqui disse o Rei,
sem ter a mínima
ideia de que estava
entrando no jogo,
enquanto Alice
tentava lembrar o
nome de uma cidade
com Lé.
O outro
mensageiro chama-
se Léo, é um
chapeleiro e vem do
leste. Eu preciso de
DOIS, você sabe,
para ir e voltar. Um
para ir, outro para
voltar.
Brezolin & Moreira
94
Skopos 12 (2021), 69-94
E o outro
Mensageiro
chamava-se Riveldo
continuou o Rei.
Eu preciso de dois,
um para ir e o outro
para vir.